domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um filho é capaz de nos tornar um ser humano melhor

Incrível notar as expressões faciais das pessoas ao saberem que “abandonei tudo” para cuidar do meu filho. Umas ficam estupefatas, outras revoltadas, outras até hostis. Elas buscam explicações para o fato de deverem continuar a vida como ela é ou era antes da chegada do bebê. Podem continuar no caminho sem nunca aproveitarem esse período para a busca da transformação.
Abandonei a minha profissão de agrônoma, abandonei minha vaidade de mulher, abandonei as festinhas e a vida social, principalmente a noturna, abandonei a vida sexual que levava com meu marido. Tornei-me outra mulher, a louca. Com isso fui abandonada também. Muitos amigos, quase a maioria, não conseguem mais penetrar na nossa vida. Ficamos deslocados.
Essa mudança vinha automaticamente na medida em que eu me deixava levar pelas necessidades do meu filho e não às minhas. Começou com a amamentação que foi e é em livre demanda, depois com o local de dormir, pois percebia que lhe deixava mais acolhido em nossa cama, ao meu lado e, sem contar com a atenção exclusiva nos momentos em que era necessário. Ou seja, sempre.
Meus questionamentos eram, na maioria das vezes, até quando? Qual é a medida certa? Porque eu já estava super cansada, exaurida mesmo e não me reconhecia mais como antes. Quem era eu? Meus horários eram os horários do Rudá, minha vida era a vida do Rudá e meus pensamentos eram em torno do conforto e comodidade do Rudá. Comecei a entender que estava em trabalho de supração do meu ego. Foi aí que caiu a ficha que a gente é capaz de sair do mais alto grau egocêntrico e superar todas as dificuldades por amor. Um filho é capaz de nos fazer um ser humano melhor.
Mas por que eu fazia isso? Porque enfrentei o encontro com a experiência maternal como arquétipo e permiti que muitos aspectos ocultos da minha psique fossem revelados e ativados pela chegada do Rudá. E não foi nem é fácil. Não amo mais que outras mães e não sofro mais que as outras também, mas me entreguei a esses momentos de revelação. Fiz, com isso, uma grande oportunidade para reformular as minhas idéias pré-concebidas, meus preconceitos e, principalmente, autoritarismos relacionados às formas de criar vínculos e comunicação entre mães e bebês.
Na nossa contemporaneidade somos levadas a já nos acostumar com o fato de que vamos nos separar de nossas crias antes mesmo delas estarem preparadas. Criamos um dispositivo de escape para, ao acabar a licença maternidade, estarmos aptas ao abandono. Com isso, todo o tempo que poderíamos utilizar para viver a fusão emocional, foi trabalhado ao contrário, nos violentando ainda mais.
O bebê humano nasce prematuramente mesmo àqueles que nascem a termo. O cérebro não está desenvolvido o suficiente, mas esperá-lo atingir o grau necessário faria com que qualquer mulher não conseguisse parir, pois o bebê sairia com a cabeça grande demais. Nossos bebês humanos são os únicos que depois de nove meses pós-parto estão em condições semelhantes a outros mamíferos de outras espécies depois de seus nascimentos. A partir daí é que eles começam a manifestar alguns sinais de autonomia.
Ora, isso é dizer que os bebês continuam fundidos no mundo emocional das mães. Eles mesmos não sabem de si e tomam por deles o corpo da própria mãe. O bebê vive como se fosse dele tudo aquilo que a mãe sente e recorda, aquilo que a preocupa ou que a faz rejeitar.
Nesse sentido, devemos carregar nossos bebês conosco todo o tempo, assim como algumas mulheres tribais ainda fazem. O início da separação emocional começa por volta dos dois anos de idade! Antes disso, é cruel forçar a separação.
Essa relação é simbiótica porque à medida que a mãe cuida do bebê sem se preocupar com o momento da separação, o bebê se torna um verdadeiro mestre, manifestando todas as nossas emoções, especialmente aquelas que ocultamos de nós mesmas e que não queremos esquecer. Aí vem a grande dificuldade de lidar com a maternidade na sua plenitude.
Descobri que dói e dói muito essa entrega porque é um encontro com a sombra e se é sombra é porque é difícil enxergá-la, reconhecê-la e aceitá-la. Incomoda. O que nos é incômodo é deixado de lado. Passamos por cima.
Meu filho teve muita cólica. Chorava demasiadamente. Hoje, consigo perceber que quando eu estava tranqüila, ele também ficava. Quando, aos finais de semana, ficávamos sós - meu marido, nosso filho e eu, tudo era harmônico. Durante a semana, com a chegada de outras pessoas, muito queridas, por sinal, se transformava num caos.
Sem saber elas violentavam o que era de mais importante naquele momento, a privacidade entre mãe e bebê. A casa, o almoço, a organização, as visitas, a aparência, nada disso tem sentido se não estamos conectadas com a fusão emocional.
Por que isso acontece? Porque a experiência de vida das pessoas foi de negarem-lhes também o direito de estarem a sós com suas mães. De acharem que poderiam causar prejuízo, torná-las mimadas, interferir na independência, e, além disso, de ser inimaginável uma mulher parar sua carreira profissional por um bebê. O que vejo é que o direito de se conhecerem é que lhes foi usurpado, tentando transformá-la em um ser desconectado com suas emoções.
O mundo sucumbe por ações mais humanas, solidárias e cooperativas. A paz só é de fato possível se o mundo tornar-se menos mesquinho e violento, se começarmos a reconhecer o verdadeiro papel da maternidade e do significado de trazer um ser à vida.

15 comentários:

  1. Dani, vc tem razão, td o q vc escreveu faz sentido. Porém, difícil imaginar, nos dias de hoje, como seria possível essa dedicação exclusiva das mães com os bebês. O grande número de famílias desestruturadas, as mães solteiras, aquelas que precisam trabalhar para a própria sobrevivência!! Q pena!! Abraço
    Semírames

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  2. Oi Semírames,
    Também acho dificílimo!!Creio eu que a sociedade deve atentar ao planejamento "de fato". Ou seja, não só o financeiro da gravidez. Deve ser levado muito em consideração o emocional não só da mãe, mas da estrutura em que a criança irá fazer parte. Há duas esferas bem delineadas e, dentre elas, suas matizes. Sendo bem polar nos exemplos, há aquelas mulheres completamente desamparadas, menos favorecidas pela sociedade e outras em que optam por ter filhos quando querem. Se conseguirmos sensibilizar ao menos essas mulheres que têm mais condição financeira, uma estrutura familiar, já é uma grande transformação...Esse desabafo que escrevi é bem a partir da minha experiência de vida, das minhas dores , incômodos, alegrias, descobertas. É uma pena que as mulheres hoje em dia não possam desfrutar desse momento para se conhecerem e se transformarem.

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  3. Dani acredito que ser mãe e ser pai, ou os dois ao mesmo tempo são papeis construídos socialmente, mais com fortes vínculos naturais. Acho que a transformação mesmo vem através das nossas escolhas, pois nem todo mundo sai transformado depois que vive essa fase. Mas sim, quem aceita vive-la com suas dores e alegrias. Escolher sentir as dores do parto, escolher dar de mamar, escolher ficar em casa e curtir o ninho como passarinho faz com suas crias, escolher deixar o que pensamos em alguma fase da vida ser tudo. São as escolhas! Pois fiquei pensando aqui nas mulheres que escolhem ser mães de filhos que não foram gerados em seus ventres e que aos poucos vão construindo, tecendo como faz uma tecelã, novos vínculos. Tenho muitos amigos\as que se permitiram – escolheram viver essa transformação e é incrível observar quanto cresceram se tornaram seres humanos melhores. Cada pessoa vive de uma forma diferente e dentro das condições matérias que dispõe, pois sabemos que isso varia bastante na sociedade em que vivemos. Nossas contradições!!! Seu relato expressa bem a sua escolha e a transformação que viveu e vive a partir dela. Que mais mulheres e homens possam se descobrir sendo mães e pais. Que mais mulheres e homens possam se entregar à força transformadora do amor.
    Ana Cristina

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  4. Dani, sua família poderia ser chamada verdadeiramente de amor. Vocês irão fazer muita falta aqui na terrinha, mas irão alegrar muito o céu. Vai em paz!

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  5. uma grande luz azul entorna suas palavras e fotos. Alegrias na mudança que apenas começa...

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  6. Dani, pelas escolhas que você fez na vida -- parto natural, exterogestação, babywearing -- sinto que somos muito próximas, embora eu não tenha tido o privilégio de te conhecer (e à sua família) pessoalmente. Quando soube do ocorrido, vim visitar sua página e estou aqui, comovida, triste e enternecida, testemunhando seu crescimento enquanto ser humano, o amor que transbordava de suas palavras, e o lindo sorriso feliz de Rudá. Que vocês três sigam em paz. Meu abraço, onde quer que esteja.

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  7. Solidarizo-me com as demais amigas, apesar de não tê-los conhecido, sinto-me triste!
    Fiquem em paz!

    Sylvana - Ishtar Brasília

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  8. Dani,
    quanta falta você, Felipe e Rudá irão fazer... Ontem sua mãe me disse "obrigada Carlinha por ter vindo..." então eu respondi pra ela "obrigada a você por ter nos dado a Dani..." A Dani Astral, a Dani que acordava de mau humor, a Dani que vivia sempre tudo ao extremo, a Dani questionadora e por hora a Dani serena, a Dani em Paz e feliz com a escolha que fez não só de ser Mãe do Rudá, mas também de ser a companheira do Felipe, pois nele encontrou a parceria necessária para se compartilhar a vida.
    Sentirei falta das comemorações, dos almoços na sua casa, das nossas conversas, do "oi mulher, vamos tomar uma cerveja..." do Felipe, do sorriso largo do Rudá e das demonstrações de amor e afeto da super Tia Marlene.
    Obigada por todos vocês fazerem parte da minha vida e permitir que eu fizesse parte da de vocês. O som do riso de cada um de vocês estará presente sempre em mim. Vão em paz!
    Com Amor.

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  9. Dani, minha amiga, minha parceira,
    Desde as conversas com o Filipe para tentar convencê-lo ao parto domiciliar, até nossos projetos pessoais/profissionais, entendi que a gente se encontrou com um propósito muito maior. Cúmplices em tantas coisas e de maneira tão profunda que chegávamos a comentar sobre isso: queríamos mudar o mundo. Vou seguindo aqui, amiga, no rastro daquilo que acreditamos. Tenho certeza de que vocês estão amparados, de ti trago a força do exemplo de confiança e conexão com o feminino. Para ti, Filipe, Rudá e Dona Marlene beijos e bênçãos de luz.
    Com amor
    Ana

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  10. Não conheçi vc, mas fiquei chocada e triste pela forma de como aconteceu.

    sem palavra, estejam com DEUS;

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  11. Que Deus os tenha encontrado em seu amor e misericórdia... Aqui para sempre em nós a lembrança de uma família unida no amor.Sem palavras como estou,mas com a nítida imagem dos três na minha frente.Rudá meu querido... Saudade do seu sorriso e do seu carinho no meu rosto.

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Gratidão por continuarem me ensinando e me inspirando mesmo depois de terem partido.
    Com amor,
    Carla Weyne

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